Montolieu, a chamada Village du Livre et des Arts. A história destes sortudos 760 habitantes é simples: nos anos 80, um bibliófilo de Paris farto de estar por lá, criou, com a ajuda da Mairie e de uns quantos entusiastas locais, condições para virem, com armas e muitas bagagens, alfarrabistas de toda a França (e alguns ingleses também) para Montolieu. A pequena vila ainda hoje está em recuperação deste sonho, depois de ter falecido o seu mentor. Mas aquilo não pára. Só dele, de Michel Braibant, uma grande e antiga fábrica foi adaptada para um lugar onde se podia vender e comprar livros de todos os géneros. Hoje, esta antiga fábrica separou-se e deu origem a uma livraria independente e naquele espaço ficaram somente ateliers e oficinas de pintura e de arte. Não sem que nos lembrassem que aquela antiga fábrica foi lugar de exílio forçado de 400 republicanos espanhóis que fugiam de Franco e que aquela vila se recusou a entregar. A bandeira da Espanha republicana está lá a recordar-nos.
Maison Rives. Casa de hóspedes onde ficámos 4 noites, 5 dias. O Sr. Bernard era o dono. O nosso quarto era o da varanda. A sala comum era bonita e o mobiliário antigo a fazer lembrar as casas dos nossos avós. Tomávamos o pequeno-almoço na cozinha servido por ele que tinha igualmente uma livraria a «Palmade»
Torre principal da Igreja de Santo André na praça principal da vila
Outra imagem da Igreja de Santo André vista da Place de La Liberté, antigo convento beneditino
Livraria alfarrabista «La Manufacture» cujo dono, Pierre, para além de um grande conversador sabia muito sobre autores e livros. Nasceu e viveu em Paris (sabia falar o argot de Céline) durante muitos anos até se fixar na Ocitânia em busca de paz e de uma vida diferente. A livraria era uma maravilha de 3 andares, fora o sótão, e os preços eram incrivelmente baratos.
Rua principal de Montolieu. Ligava a Maison Rives, onde estávamos hospedados, à Place de La Liberté em poucos minutos. A pé, claro. As casas de habitação mantinham a traça antiga. Do lado esquerdo, vê-se as grossas paredes da Igreja de Santo André.
Place de La Liberté. Ao fundo um restaurante a que íamos jantar muito bem uns pratos do País d'Oc com vinho d'Oc, pois claro: o «Casquette et Chapeau». A fonte e o jogo da petanca não podiam faltar. Os plátanos, que não se podavam, faziam com que a temperatura baixasse a do muito calor que se fazia sentir.
A antiga «Manufacture Royale», fábrica têxtil fundada no século XVIII, era agora uma casa de habitação permanente de artistas e fotógrafos, para além de restaurante, bar e jardim. As exposições nas galerias variavam entre o naif e o profissional. Falámos com todos os artistas presentes. Também jantámos, esperando que nos servissem nuns «rápidos» 45 minutos antes de começarmos a comer! Eram quase todos budistas, o que desculpa tudo! A Ananda sentada a beber um aperitivo.
Restaurante de eleição: o «La Rencontre». Gente simpática, jantava-se debaixo de uma latada com comida francesa, principalmente o pato confitado, peixe e também a da região da Ocitânia. O vinho era muito bom, diga-se, principalmente o branco fresquinho. Era usual falar-se com os convivas do lado.
Mazamet, a norte de Montolieu. Aqui se encontra o Museu do Catarismo, a heresia que levou a Igreja Católica a um massacre de milhares de pessoas e à criação da Inquisição, já no século XIII. A luta aberta levou quase 20 anos e a luta «surda» permanece ainda. A repressão e as torturas, os autos-de-fé foram de tal violência que ainda hoje perdura um rancor das populações não totalmente ultrapassado contra Paris e contra uma personagem quase inominável: Simon de Monfort, o que destruiu cobardemente Constantinopla e a sua valiosíssima biblioteca em cruzadas anteriores no Médio Oriente.
Quanto ao catarismo e ao que significava dava muito para falar e embora não caiba aqui referir os seus princípios (neste blogue damos conta deles) podemos dizer que lutavam por um cristianismo primitivo e uma igreja mais ligada aos pobres e às mulheres. A igreja oficial não poderia permiti-lo. As rotas de fuga dos cátaros incluem Portugal, nesses séculos a braços com problemas de povoamento.
Desenhos e legendas de António Luís Catarino
Agosto de 2023