Sistema Solar, col. Documenta, e Fundação Carmona e Costa, 2022
Não concebo que alguém que desenhe, e que sinta prazer nisso, ignore propositadamente este livro de Jean-Luc Nancy, editado e traduzido por Jorge Leandro Rosa, com iconografia final de Daniel Moreira e Rita Castro Neves.
O livro é composto por 16 capítulos, com igual número de «caderno de apontamentos», que são citações várias sobre o desenho, o traço, a linha sobre uma qualquer papel ou material que a isso se ofereça. Palavras e ideias algo densas, mas não impermeáveis, que nos permitem aclarar de um modo rigoroso que prazer é este do «Prazer no Desenho». Leia-se uma, duas, as vezes que forem necessárias para chegarmos às ideias-mestras do que significa o desenho que estará na base do nosso «desígnio».
Jean-Luc Nancy morre em agosto de 2021, mas ainda teve tempo (e disposição) de endereçar ao editor um esboço de um prefácio a este livro. Apresenta-se um trecho inicial desse mesmo prefácio:
««Le Plaisir au dessin» forma em francês uma expressão ambivalente: ou ela fala do prazer que se sente ao desenhar, ou então fala do prazer que se põe ele próprio ao desenhar. Poder-se-á pensar que apenas o primeiro sentido é possível e que o segundo não passaria, no melhor dos casos, der uma metáfora ou mesmo de uma absurdidade. Contudo, foi a mistura das duas significações, como dois aspectos de uma mesma e única realidade, que determinou a escolha deste título.
Ninguém pode duvidar que se tenha prazer ao desenhar. Todas as culturas o atestam e em todas as culturas se verifica o gosto das crianças pelo desenho sob todas as suas formas. Seja num papel ou numa casca, na areia ou mesmo na água ou no ar, a criança sente satisfação em traçar linhas, contornos. Nem sempre se trata de traçar figuras, mas é sempre uma mostração que está em jogo: alguma coisa deve ser mostrada, posta em evidência, manifestada. Talvez não seja mais do que o próprio movimento da mão, ou então é a sobrevinda de uma emoção, de um pensamento, de uma impaciência ou de uma pausa. Algo que se forma em alguns traços, talvez em cores variadas ou por vezes em simples rabiscos numa cornija ou no chão (...)» (pág. 105)