terça-feira, agosto 16, 2022

«Rien ne Résiste à la Joie de Vivre», de Raoul Vaneigem


Edições Grevis, 2022
Creio que é o último livro de Raoul Vaneigem. Síntese à maneira situacionista, livro de 63 páginas muito condensado, mas nem por isso isento de analisar os males da sociedade atual e o modo de os superar. No entanto, penso que alguns temas precisariam de mais aprofundamento, quer na análise da catástrofe planetária, como da pandemia do coronavírus, sobre a não-violência ou o feminismo. De resto, a matriz das ideias e das teorias de Vaneigem estão aqui bem consolidadas.

Sabemos hoje o quão difícil é lutar contra o Estado seja ele «democrático», totalitário ou autoritário. A violência a que o Estado recorre é inversamente proporcional às razões mais pacíficas dos manifestantes atuais. Mas dedicar o livro aos zapatistas e aos Gilets Jaunes deixará muita gente perplexa, mesmo entre aqueles que não apodam os GJ de simples fanáticos fascistas. Sabemos que são centenas de milhares de desesperados que querem sobreviver a todo o custo, quer nas cidades que os afastam, quer nas zonas rurais abandonadas. Pessoalmente, vi-os em França, em pleno Inverno, nas rotundas onde vigiavam a polícia e se aqueciam nas fogueiras, comunicavam entre si e via que despontava ali uma solidariedade comum invulgar que nada tinha de militarizado ou fascista. Conviviam alegremente e convidavam as pessoas a juntarem-se-lhes.

Dizer que o livro é mais do mesmo pode parecer pretensioso, mas quem conhece a obra de Vaneigem desde há 40 anos, sabe ao que me refiro: o apelo à desobediência civil e à resistência individual e coletiva (falou uma única vez nas ZAD's), por uma «vida plenamente vivida» talvez tenha substituído a revolta como o único estado decente e honesto de todo o indivíduo, proclamado por ele em 1968. 

Do livro: «A força do indivíduo autónomo vem dele próprio e da solidariedade dos seus semelhantes. O individualista é um adepto do cálculo egoísta, um vulgar predador, um puro produto do capitalismo.

»Desconstruindo a liça dos combates fácticos, os povos aprenderam no sofrimento que somente os negociantes de armas ganham com a guerra. O nosso combate não é concorrencial, resume-se a tentar viver através dos nossos desejos reivindicando para todos e todas um direito idêntico à felicidade.
 
»A alegria de viver é uma inclinação natural. É na sua soberania que a Natureza deverá ser libertada do homem predador.

»Só uma liberdade absoluta aniquilará o absolutismo que nos mata.»
(tradução minha)

A tónica, contudo, de Vaneigem neste «Rien ne Résiste à la Joie de Vivre» vai para a redação universal de uma Carta dos Direitos do Ser Humano. Que se faça, então!

De qualquer maneira, um livro a ler e talvez a debater em conjunto.