quarta-feira, maio 25, 2022

«A Força da Não-Violência», de Judith Butler


Livro para ler e reler, sublinhar, anotar, guardar, argumentar num mundo feito em cacos, em levantamento mundial antes do covid e da(s) guerra(s), da desinformação, da crise ambiental já irreversível, da morte programada, da declaração capitalista de inutilidade do ser humano e do capitalismo de vigilância que nos entra pela casa dentro onde quer que estejamos.

Num momento em que falar de paz e não-violência é quase compararem-nos a seres extra-terrestres e amigos da violência justificando o ataque de um estado sobre outro estado, com consequências imprevisíveis sobre milhões de seres humanos, compreendemos melhor a subversão linguística e ideológica daqueles que nos acusam de «compreender» essa violência. São esses que vociferam totalitarismos inexistentes, ódios escondidos, cabeças não pensantes, quando são eles próprios os melhores exemplos disso mesmo, ao disporem o vocabulário do poder e da violência sobre aqueles que se lhes opõem.

Diz Butler: «(...) O facto  de os esforços políticos de dissensão e crítica serem com frequência rotulados de «violentos» pelas mesmas autoridades estatais que são ameaçadas por esses esforços não é razão para desesperar com o uso da linguagem. Significa apenas que temos de alargar e refinar o vocabulário político para pensar a violência e a resistência à violência, levando em conta o modo como esse vocabulário é distorcido e usado para escudar autoridades violentas contra a crítica e a oposição. Quando a crítica da contínua violência colonial é considerada violenta (Palestina), quando uma petição para a paz é reformulada como um acto de guerra (Turquia), quando lutas pela igualdade e liberdade são idealizadas como ameaças violentas à segurança do Estado (Black Lives Matter) ou quando o «género» é retratado como um arsenal nuclear apontado à família (ideologia antigénero), estamos, nesses casos, a operar no meio de formas politicamente de correntes de fantasmagoria. A fim de expor o ardil e a estratégia destas posições, temos de estar em condições de rastrear os modos como a violência é reproduzida ao nível de uma lógica defensiva impregnada de ódio e paranóia. (pág.30)»

E a não- violência só pode ser igualitária no plano social, arredando de si todo o tipo de individualismo inerente à ideologia desgraçada do neo-liberalismo:

«Quando os movimentos não-violentos trabalham a partir de ideais de igualitarismo radical, é a reivindicação igualitária a uma vida enlutável e vivível (livable) que serve de ideal social orientador, um ideal que se revela fundamental para uma ética e política de não-violência que ultrapasse o legado do individualismo.»