domingo, março 13, 2022

«Poemas em Prosa», de Stéphane Mallarmé

 

Assírio & Alvim, fev. 2022, Tradução de Diogo Paiva
Estes poemas pertencem à primeira parte de Divagações, datado de 1897. Mallarmé tem o condão de se divorciar por inteiro do objecto dos pequenos poemas em prosa e dá-nos indicações imprecisas sobre a situação concreta em que se desenrola um acontecimento; cabe por isso ao leitor deixar-se levar pelas palavras encadeadas e flutuantes, como Mallarmé o faz de modo tão desconcertante como hipnótico. Livrinho imprescindível que tem um segredo: se o lermos repetidamente, sem grandes barreiras temporais, o poema que lemos antes já é um outro, as sensações são diferentes de poema para poema. Poesia viva, portanto. Reparem, como se inicia o poema «Fenómeno Futuro»:

«Um céu pálido, sobre o mundo que acaba em decrepitude, vai talvez partir com as nuvens: os farrapos da púrpura gasta dos poentes  destingem-se num rio dormente no horizonte submerso em raios e água. As árvores entediam-se, e, sob a sua folhagem embranquecida (mais da poeira do tempo do que daquela dos caminhos), ergue-se a casa de lona do Mostrador de Coisas Passadas: numerosos candeeiros aguardam o crepúsculo e reavivam os rostos de uma desgraçada multidão, vencida pela doença imortal e pelo pecado dos séculos, de homens acompanhados pelas suas definhadas cúmplices, grávidas de frutos miseráveis com os quais perecerá a terra. (...)» (pág.7) 

E em «Lamento de Outono»:
«(...) Assim, durante o ano, a minha estação preferida é a dos derradeiros dias enlanguescidos do Verão, que precedem imediatamente o Outono, e, durante o dia, a hora em que passeio é quando o Sol se torna a pôr, antes de se sumir, com raios de cobre amarelo nas paredes cinzentas e de cobre vermelho nas vidraças. Do mesmo modo, a literatura à qual o meu espírito pede uma volúpia será a poesia agonizante dos derradeiros momentos de Roma, contanto não respire de modo algum a chegada rejuvenescente dos Bárbaros e não balbucie o latim infantil das primeiras prosas cristãs.» (pág.9)

António Luís Catarino