quinta-feira, março 10, 2022

«Pan», de Knut Hamsun

 

Knut Hamsun
Knut Hamsun (1859-1952) foi um nazi norueguês que apoiou a invasão alemã ao seu país. Isto é importante? É. Não me custa nada dizer que é um bom escritor, mas não consigo deixar de pensar que é um traste humano. Também é um prémio Nobel atribuído logo em 1920. Em 1945 retiraram-lhe tudo e expropriaram os seus bens tendo morrido louco e na miséria num lar de idosos. Bem feito? É-me indiferente, só não o sendo completamente, porque gostaria de saber se esse pecúlio foi para as mãos dos resistentes noruegueses ao domínio nazi. Espero que sim. No entanto, não posso deixar de pensar em Ezra Pound, Céline, Carl Schmit (sim, escreveu um livro para a sua querida netinha), D'Annunzio, Mishima e tantos outros que se deixaram levar pela vergonha totalitária. Mas eram bons escritores.

Dito isto, a obra não pode ser separada do homem que a escreveu. Knut Hamsun é um panteísta que chama por vezes por Deus e a sua personagem em «Pan», Tenente Thomas Glahn,  vive na natureza, numa cabana do Norte da Noruega, longe de tudo e de todos, mas perto de uma pequena cidade - Sirilund. Não vou descrever as personagens que lhe caem no caminho, mas é evidente o carácter brutal que Hamsun imprime a Glahn. Se iniciamos a leitura de «Pan» lembrando-nos de «Walden», depressa reparamos que nada terá a ver com Thoreau ou William Morris. Glahn mata e caça por prazer. Para alimentar-se, mas mata igualmente para recordar-nos a supremacia sobre a natureza e os animais. E essa supremacia aumenta quando está com mulheres que ou são submissas perante ele, meros objectos de prazer, ou se lhe resistem, fere-se a si próprio com um tiro num pé, mata o seu próprio cão, Esopo, enviando o cadáver à que o rejeitou, vinga-se constantemente de outros que considera rivais e mostra sempre a sua força bruta perante eles (por acaso ? um médico, um grande comerciante, um barão e um cientista), mata uma mulher a quem mostrou um amor fugaz sem querer, através de uma derrocada de pedras sobre um barco que afunda. Foge para a Índia tamil e aí terá a oportunidade de mostrar mais uma vez a força perante uma natureza ainda mais selvagem: mata leopardos, panteras, aves de toda a espécie, quase perdoa um tigre que tinha «despedaçado e engolido uma criança», vive com uma tamil «mais linda que uma verdadeira branca» e, por fim, provoca a sua própria morte, atirando e falhando propositadamente um compatriota para que este respondesse. 

A editora, numa badana, escreveu que tinha sido inspiração de Gide, Hemingway, Thomas Mann, Fitzgerald, Kafka e, vejam bem, de Gorky! Tenho o direito de não acreditar. Mesmo que o considere um bom escritor.

Foi esta a vida de Glahn, envolta em violência constante, numa tensão permanente, numa revoada de morte e domínio brutal que nos é transmitida por Hamsun. Que a terra lhe seja leve.

Pan é uma edição da Cavalo de Ferro de 2010, sendo a 2ª edição de 2015.