sexta-feira, novembro 30, 2018

Recordação precipitada de Alexandre O’Neill 13


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«Ó Portugal, se fosses só três sílabas/linda vista para o mar…». Alexandre O’Neill. Este homem, este poeta, desnudado das palavras a quem atribuía o epíteto de «animais doentes» pela constante tentativa de as tornarem «bonitinhas», tinha o condão da cumplicidade com o leitor. Mesmo quem nunca o leu repete-lhe os estribilhos ou versos com que denunciou este país feito de pessoas importantes, lídimas corredoras de carreiras assentes no «respeitinho» e em «deuses e deusecos» omnipresentes e servis: «País engravatado todo o ano/e a assoar-se na gravata por engano». Estou a falar da expressão «vidinha» com que nos abanou as consciências monótonas de um país alienado e anestesiado «A poesia é vida? Pois claro!/Conforme a vida que se tem o verbo vem/ - e se a vida é vidinha, já não há poesia/ que resista». Alexandre O’Neill tinha ascendência irlandesa de um foragido do século XVIII, sabe-se lá de quê, e que veio desgraçadamente aportar a Lisboa. Portanto, O’Neill lisboeta, crítico do provincianismo capital, de «ombro na ombreira» como quem espera, um dia qualquer, sair da sombra da porta, dar o ombro aos outros e criar a vida poética verdadeiramente livre «Quando tudo escombro/ ainda todos seremos/ombro na ombreira» e que o levou a excessos em que, disse, «fez do corpo uma alavanca para o mundo, sem pensar no futuro». Inventou a vida, ultrapassou o quotidiano repressivo, amou intempestivo, morreu novo. Cá o temos, a alavanca da escrita que o levou a fundar o Grupo Surrealista de Lisboa em 1947. Saiu de lá logo no ano seguinte porque António Pedro, ministro salazarista sabidão, expôs os surrealistas num salão não sem antes aceitar o lápis azul da Censura. O’Neill, parte para outra, e, nos Cadernos Surrealistas, edita Ampola Miraculosa. Tem a sua Nadja, o seu amor louco com Nora Mitrani, surrealista francesa. A polícia política e a família impendem-no de se lhe juntar em Paris. Não mais a vê. Acede, cuidadoso, aos neorrealistas, cansado do convívio com «fantasmas», sem que se lhe conheça militância ativa. Traduz Ubu de Jarry, Brecht. Escreve nos jornais. Colabora em teatro e cinema. Encontra em Tolentino, Cesário Verde, Pascoaes (que chegou a conhecer escrevendo-lhe uma «Recordação Precipitada»), Álvaro de Campos, uma influência a que não foge, como aceita a fórmula para si próprio de um «grande poeta menor». À questão que lhe é colocada em 1962 de qual seria o seu defeito ele responde: «sentir o desencanto». Para um poeta perder o encanto do mundo é perder igualmente o dom das palavras e da vida. Não o perdeu. Portugal para ele continuou a sua Feira Cabisbaixa de 1965: «…Feira cabisbaixa, meu remorso,/ meu remorso de todos nós».

António Luís Catarino 30/09/2017