segunda-feira, janeiro 27, 2014

Um poema de Segmento, de Hugo Neto

Hugo Neto, Setúbal. 2013

Lisboa, Março, 2008


Folha de rosto


Reparo na cara de um velho e admiro, com reverência,
a trajectória afirmativa das rugas, a audácia da água calejada na vista.

Na minha vincaram-se também linhas irreparáveis de um passado,
em debate com a pele ainda lisa, à espera de outras dobras.

Mas numa cara tão visitada por máscaras várias – a do velho,
da mulher, da criança, do feliz, do triste, do excluido,
do passional, do criminoso, do morto, do fugitivo…– furto-me
a decidir que feição tenha esboçado predominância;
que tipo de homem sou.

Algo, porém, predominou. Após cada máscara voltou sempre
a pausa de uma interrogação, a amargura duma expectativa;

lisa máscara da ausência. Somente
incriminada por dois olhos a tremerem numa água enverdecida,
que ora diz é já tarde, ora diz é possível;

é já tarde, é possível; é já tarde, é possível; é já tarde? É bem possível.

12 euros
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