Livros do Brasil, ed. de bolso. Tradução e apresentação de António Mega Ferreira
Tradução a partir do inglês, tal como Mishima exigia quando não era possível fazê-lo directamente do japonês, de António Mega Ferreira cuja apresentação, quanto a mim, seria dispensável. Aliás, cada vez mais penso que toda e qualquer apresentação de um clássico como é «Confissões de uma Máscara» ou é acompanhada por dados novos e análises baseadas em factos seriamente estudados ou é inócua. Isto para todas as apresentações ou introduções, não estou a pensar particularmente nesta.
É um clássico que é um poema de amor. Não o amor entre um homem e uma mulher, embora também o seja, mas amor no sentido mais abrangente do conceito quer ocidental ou oriental. Aqui, não há lugar para ambiguidades. Um amor em tempo de guerra total, em tempo de Hiroshima e bombardeamentos constantes às cidades japonesas que fazem pensar na morte possível e omnipresente, que é o mesmo, segundo Mishima, de pensar numa vida possível: «Foi nesta época que aprendi a fumar e a beber. Quero dizer que aprendi a fingir que sabia fumar e beber. A guerra suscitara em nós uma maturidade estranhamente sentimental. Esse sentimento vinha-nos da sensação de que a vida podia terminar aos vinte anos; e nem sequer admitíamos que pudesse haver qualquer coisa para lá destes poucos anos que nos restavam(...)» (pág.116).
O amor é portanto, além da identificação e do carinho pelo outro, a necessidade de confronto com a conquista, com o poder, saber exactamente os passos a dar como um libertino, mas sabendo que há o limite do desejo que no caso de uma mulher, Sonoko ou as prostitutas de um bordel, o conduzirá a uma espécie de impotência por falta dessa líbido em torno do feminino. Mishima é um homossexual e tenta perceber desde jovem o que é, num crescimento natural de entusiasmo e de uma postura recatada, não totalmente fugidia por obrigação social de que está apartado. A atracção física pelos colegas de liceu é descrita em «Confissões de uma Máscara» com um misto reconhecível da vergonha imposta pela família e pelos outros, pela sociedade em geral, ainda por cima eivada pelo militarismo nipónico, e, igualmente, por uma beleza assumida pelo corpo masculino. Atracção essa que levará Mishima a um verdadeiro culto do seu próprio corpo que muscula nas artes marciais até à sua morte trágica em 1970. «Desde que estava obcecado pela imagem de S. Sebastião que eu tinha o hábito de cruzar as mãos acima da cabeça, quando estava nu. Tinha um corpo magricelas, sem o mínimo reflexo da beleza luxuriante de Sebastião. Naquele momento, pus-me uma vez mais em pose, e, como por acaso, o olhar dirigiu-se para as minhas axilas. Foi então que um misteriosos desejo sexual despertou em mim.» (Pág.90).
A parte final do livro, quando ele se encontra com Sonoko, já no final da guerra e entretanto já casada com um funcionário de um Ministério, é de tal modo arrebatadora e de tão grande beleza literária que me escuso de a transcrever aqui porque perderia todo o sentido. Proponho-vos essa leitura.