sexta-feira, janeiro 17, 2020

«Do Fascismo ao Populismo na História», de Federico Finchelstein

«Os ‘’Antifa’’ é melhor esperarem que o outro lado
não se mobilize...porque se virem, o outro lado são
os militares. É a polícia. São montes de pessoas muito
fortes, muito duras. Mais duras do que eles.
E mais espertas do que eles.»
                                                                                                                                                     
Donald Trump, declaração televisiva em 2018

Uma vez, já há alguns anos, um grande amigo ligado à coordenação de uma grande editora hoje ainda em expansão, disse-me «Não edito mais nada sobre globalização. Parecem moscas a editar tudo e o seu contrário sobre a globalização. Já ninguém compra nada que tenha esse nome na capa!». Isto vem ao caso sobre o tema «Populismo». São tantos os livros publicados sobre o populismo de direita e de «esquerda» que nos arriscamos a deixá-lo passar nos nossos dedos por enfarte.

Desta vez li «Do Fascismo ao Populismo na História», de Federico Finchelstein, um professor especializado em história do fascismo e colunista em jornais como o Guardian, Washington Post e New York Times, entre outros... Simpático da parte dele, acrescentar um prefácio à edição portuguesa que data de 6 de janeiro de 2019.

Não creio que o livro seja de rejeitar à partida, principalmente pela esquerda. Primeiro, porque não concorda com Chantall Mouffe e Laclau que defendem claramente o desenvolvimento de um populismo de massas no campo da esquerda, segundo porque conduz-nos a uma leitura mais metodológica da diferença entre fascismo e populismo e terceiro porque engloba o populismo como fenómeno mundial e não eurocêntrico, original da América do Sul e da Índia. Não deixa de ter razão neste perspetiva teimosa do europeu em ver-se a si próprio como protagonista de uma História total que passa necessariamente pela Europa e só na Europa.

Contudo, embora não se opondo totalmente a Enzo Traverso deixa algumas considerações que o afastam dele, talvez pela persistência em analisar populismos de esquerda que situa principalmente no peronismo e no movimento guerrilheiro que lhe deu forma na Argentina: os «Montoneros». Localiza os movimentos populistas de esquerda na Colômbia, no Uruguai, Na Síria e Egito, no Brasil no 2º mandato de Getúlio Vargas (!!), na Venezuela de Chávez e Maduro, na Bolívia de Evo Morales (o livro foi editado antes do golpe) e hoje e à direita, claro, no Brasil de Bolsonaro, nas Filipinas de Duterte, no Trumpismo americano (identificando vários populismos antes dele, como George Wallace, Ross Perrot, por ex.).

Na Europa, não há um único governo fascista com esse nome, segundo Finchelstein, porque os movimentos fascistas se transviaram em populismos quando estão no governo ou perto dele, como na Polónia, na Itália de Fini, Salvini e, antes, de Berlusconi, na Hungria de Victor Órban, na Holanda, na Suécia, na Finlândia, na Grécia (o único populismo de esquerda que ele identifica com o renovado Sirysa), Boris Jonhson, na Grâ-Bretanha e por aí fora.

Concordamos que o título do livro está longe de nos dar uma visão pormenorizada da História do populismo (teríamos de ir a Péricles e a César, não?). Seriam precisos muitos volumes e é com imensa pena que digo que o autor não peca por ser sintético, antes pelo contrário, repete até à exaustão ideias e conceitos que cansam quando o lemos. Vale também pela apresentação de uma bibliografia exaustiva sobre o tema. São dezenas e dezenas de páginas. Mas vale por colocar a limpo certos conceitos com os quais os leitores podem concordar ou não. O que liga, então, o populismo de esquerda e o de direita, qual ou quais os fatores comuns de um e de outro? Vejamos o quadro que nos apresenta Finchelstein:

1.    Uma ligação a uma democracia antiliberal, eleitoral e autoritária que rejeita na prática a ditadura (diferente do fascismo)
2.       Uma forma extrema de religião política (apresenta o caso dos Kirchner, de Eva e Péron e de Chávez)
3.       Uma visão apocalíptica da política que apresenta os sucessos eleitorais e as transformações que esses sucessos transitórios permitem como momentos revolucionários na fundação e refundação da sociedade
4.       Uma teologia política fundada por um líder do povo messiânico e carismático
5.       A perceção dos antagonistas políticos como o antipovo – isto é, como inimigos do povo e traidores da nação
6.       Um fraco entendimento do Estado de direito e de separação dos poderes
7.       Um nacionalismo radical
8.       Uma ideia do líder como a personificação do povo
9.      Uma identificação do movimento e dos líderes com o povo como um todo
1.   A afirmação da antipolítica
1.   O ato de falar em nome do povo e contra as elites dirigentes
     A autoapresentação da defesa da verdadeira democracia e a oposição a formas imaginárias ou reais de ditadura e tirania (UE, o Império, o cosmopolitismo, a globalização, etc...)
1.   A visão de um povo como entidade única que, após se tornar regime é equiparada a maiorias eleitorais
1.   Um profundo antagonismo ao jornalismo independente
1.   Uma aversão ao pluralismo e à tolerância política
1. A insistência à cultura popular e até em muitos casos, no mundo do entretenimento como representações de tradições nacionais

Depois desta exaustiva apresentação do divisor comum dos populismo de direita e esquerda o autor avisa-nos, entretanto, que o populismo pode não nascer fascista, mas que, invariavelmente, o populismo tornar-se-á fascista no futuro. Seja orgânico ou protecionista, corporativo ou neoliberal, pouco importa. O papel que cabe à violência é outro dos casos em que me interrogo sobre esta questão. O fascismo que se formou pela violência das suas hordas na rua é recusado pelos populistas, mas não quer dizer que não o aplique pelas massas, pela legislação teleguiada para dar plenos poderes ao justicialismo, à polícia ou ao exército, pelos media, pelo incentivo dos jornais de estado, pela educação, as novas hordas engravatadas do futuro tecnológico que não rejeitam desde que estejam controladas pelos governos populistas ou fascistas, pós-populistas.

Relembro a citação de Trump no início deste artigo e vejam se o populismo recusa a violência, a prisão, o assassínio (Putin é um ás, neste particular), ou o recurso ao exército para reprimir a população que diz defender...como um todo.

António Luís Catarino
Coimbra, 17 de janeiro de 2020