quarta-feira, dezembro 18, 2019

Expurgar o revisionismo histórico: o Estado Novo foi fascista


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Depois de ler um autor revisionista da história do Estado Novo imposto pela Ditadura Militar em 1926, depois Ditadura Nacional já com Salazar ministro com plenos poderes e após a Constituição orgânica e corporativa do Estado Novo, em 1933, sendo Salazar presidente do conselho, tenho para mim que o que fiz melhor foi pegar e ler rapidamente o livro de Fernando Rosas «Salazar e os Fascistas». Poderia ter sido outro. Mas este é um livro que deveria ser de leitura obrigatória no Ensino Secundário. Aliás, não entendo como nas disciplinas de Português, Literatura, Inglês, Francês ou Espanhol e Alemão há livros de leitura obrigatória e/ou recomendada e não existem para a História, Filosofia, Física e Química, Artes e Design, etc. Sinceramente, custa-me a entender.

Fernando Rosas (FR) inicia o estudo a elencar as lutas revolucionárias da esquerda logo após a Revolução de Outubro de 1917, todas votadas ao fracasso: em janeiro de 1918, guerra civil na Finlândia, novembro de 1918, revolução conselhista na Alemanha; Greve geral em Portugal e na Suíça; Em 1919: em janeiro insurreição spartakista de Berlim (10 dias); março: nova greve spartakista em Berlim; Comuna da Hungria,com Bèla Kun (4 meses); abril: insurreição comunista na Áustria (1 semana) e República dos Conselhos em Munique (Baviera); junho, segunda insurreição na Áustria; julho: República dos Conselhos na Eslováquia. Ainda no ano de 1919 greves significativas na Catalunha (com ocupações de fábricas e terras), ofensiva grevista que durou até 1920 em Portugal, greves rurais e industriais com ocupações no Norte de Itália e agitação social aguda em França. 1921, tentativa de greve geral na Roménia e mais uma insurreição na Alemanha, agora em Bremen. 1923: insurreição comunista na Bulgária e no Saxe e Turíngia, na Alemanha. 1926: greve geral na Inglaterra e em 1927, choques armados contínuos em Viena de Áustria entre socialistas radicais e polícia com um rasto de 189 mortos.

É possível que todas estas revoltas fracassadas tenham sido da responsabilidade da Internacional Comunista (IC) com a sua visão rígida de exportar a revolução socialista para todo o mundo. Sabe-se, por exemplo, que Zinoviev esteve poucos dias antes na Alemanha a preparar a insurreição e que Rosa Luxemburgo não concordou que houvesse condições objetivas para a desencadear, mas, ainda assim tendo participado nela, o que lhe custou a vida e a Karl Liebneckt da Liga Spartakista. Houve de facto influência nalguns casos, mas a proliferação em toda a Europa em países onde nem sequer havia delegados da IC leva Fernando Rosas a considerar que os operários e trabalhadores se encontravam numa situação precária quer de condições de vida, quer de repressão ativa a qualquer ação associativa, sindical ou política por parte do demo-liberalismo republicano ou monárquico-constitucional. O que se passou na Rússia em 17 terá aumentado o otimismo no seio dos operários e ousarem a insurreições preparativas de revoluções. Depois, recuaram numa atitude defensiva, decapitadas que estavam as suas direções.

Se quisermos ver, cronologicamente, a derrota sangrenta (muitos milhares de mortos, deportados, presos e torturados) na repressão a estes acontecimentos, veremos que se dão antes da ascensão dos movimentos fascistas. Não durante, embora houvesse tentativas de combater o fascismo tranformadas em arruaças e manifestações sem grandes consequências. Portanto, o movimento fascista é epocal e tem traços comuns embora divirjam aqui e ali nos seus objetivos e propósitos, assim como no modo de ação com vista a tomar o poder. Excetuando a Itália que, em 1922, entregou o poder a Mussolini, o combate por este foi mais tarde.  As «leis fascistíssimas» datam de 1928. A época do totalitarismo ronda aos finais dos anos 20, princípios dos 30. O fascismo aliou-se claramente às direitas: integralistas, nacionalistas conservadoras, patronais, tradicionalistas, cristãs ou plebeias e foi dessa fusão, em que não está isento a extinção de movimentos internos «inconvenientes» que o fascismo se reforça. Nunca foi sozinho para o poder. Foi-o acompanhado e afastando sem qualquer rebuço os seus inimigos internos e externos, pretendendo confederar num partido único submetido ao Estado totalitário, regido por um chefe, um fuhrer, um capo, um conductore ou um duce.

Ou seja, o fascismo não chegou ao poder devido às insurreições fracassadas. A esquerda operária e trabalhista já estava derrotada antes pela social-democracia e socialismo reformista que a viam como inimigo a abater. Foi relativamente fácil aos fascistas e aos nazis derrotarem, agora, os democratas já em decadência.

E aqui Fernando Rosas avisa-nos para as taxonomias que limitam a definição de fascismo. Ora uns são autoritários, outros são conservadores católicos, outros tradicionalistas monárquicos, e por aí fora. Se formos utilizar este processo de negação, ou seja, se riscamos destes regimes um só item que classificamos como «fascista» poderemos chegar à conclusão óbvia que só há um: o nazismo antissemita! Os regimes fascistas apresentam diferenças óbvias produzidas pelas condições de acesso ao poder.  Não encontramos milícias em todos, nem sistemas corporativos (aliás, também os houve no demo-liberalismo), tradicionalistas ou católicos, com constituições ou sem elas (Hitler, por exemplo, nunca revogou a constituição de Weimar de 1919. Não necessitava dela para nada!).

Sublinha Fernando Rosas que é esta diversidade que confere exatamente a identidade comum aos regimes fascistas. Não a identificação rígida de cada um como um «caso» externo à extrema-direita.
Pensemos nas vítimas e na política de extermínio lavada a cabo pelos regimes fascistas e nazis, principalmente na Alemanha. Fernando Rosas dá-nos uma visão interessante: a prática do extermínio já vinha de antes do nazismo sem que se tenha levantado um dedo. Vinha dos impérios e das políticas coloniais levadas a cabo, nos finais do século XIX e antes, pelas potências ocidentais. Fernando Rosas lembra-nos, num quadro, em que consistiu esse extermínio tomado como normal nas mentes das elites e populares do ocidente: Sri Lanka, 4 a 10 milhões de pessoas, em 1920 era somente de 1 milhão; Argélia: 3 milhões de pessoas entre 1830 e 70, depois da colonização, 2,3 milhões; Congo: 20 milhões entre 1820 e 1920, no século XX 10 milhões; Costa do Marfim, entre 1900 e 1910 passou de 1,5 milhões para 160 mil pessoas; Sudão: de 9 milhões entre 1882 e 1903 passou para 273 mil. São números brutais. É fácil perceber que, cultural e politicamente, a população europeia e ocidental, no seu conjunto, transporia com alguma facilidade esta ação de extermínio nas colónias para os «diferentes» judeus, negros, ciganos, homossexuais, doentes mentais e físicos na Europa, juntando os opositores políticos elevados a associais.

Diz Fernando Rosas: «O Estado Novo configurou um fascismo conservador, resultante da unificação das direitas autoritárias e antiliberais e das direitas liberais civis e militares, rendidas à fascistização progressiva desse campo político e ideológico que integra subordinadamente o pujante movimento fascista plebeu dos ‘’camisas azuis´´, expurgando este das suas lideranças críticas do «conservadorismo» salazarista. Essa unificação e homogeneização realiza-se em torno da particular e indiscutível chefia carismática de Oliveira Salazar, no quadro de uma ''ditadura de chefe de Governo'' que constrói um regime nacionalista, corporativo, antidemocrático, policial, de características essencialmente fascistas».

O capítulo V «Os desafios do presente» é obrigatório ler. O tom um pouco pessimista de Fernando Rosas perante a vaga de populismos de direita que aí vêm é exposta sob o ponto de vista económico, social e político da época atual  em que a esquerda está nitidamente na defensiva, apesar das enormes manifestações que se podem verificar em todo o mundo. Saibamos aprender com a História.

António Luís Catarino
18 de dezembro de 2019