sexta-feira, abril 19, 2013

A Moralidade da Profissão das Letras e outras Defesas da Literatura [5 ESTRELAS NA IPSÍLON ]



A Moralidade da Profissão das Letras e outras Defesas da Literatura
Robert Louis Stevenson
Deriva
Gustavo Rubin na IPSÍLON

"Nada que possa ser feito devagar deve ser feito à pressa." Eis a regra de escrita que resume toda a ideia de literatura defendida por Robert Louis Stevenson neste breve trio de ensaios publicado entre 1881 e 1888. É uma amostra, embora muito representativa, do trabalho ensaístico a que também se dedicou o autor de Ilha do Tesouro, de O Médico e o Monstro ou desse notável relato de viagens que é Nos Mares do Sul. Não sendo o único, o pequeno volume da colecção Pulsar passa no entanto a ser um dos raros com que podemos aceder em português ao pensamento literário de um grande escritor que nunca foi só o exímio narrador que toda a gente reconhece.O ensaio em título articula-se bem com os outros dois que completam o livrinho: a Carta a um jovem cavalheiro que se propõe enveredar pela carreira das artes e Uma nota sobre o realismo. A gravidade com que Stevenson coloca o problema da "moralidade da profissão das letras" mantém-se constante e ainda hoje é um magnífico antídoto contra certo cinismo envolvente. A ideia é inequívoca: por um lado, a literatura "é singularmente interessante para o artista", individualmente considerado; por outro lado, "num grau que lhe é peculiar entre as artes", a literatura "é útil à humanidade". E daí segue-se a consequência: "Estas são justificações suficientes para qualquer jovem, homem ou mulher, que a adopte como o ofício da sua vida."

Stevenson tem um entendimento amplo da profissão literária, não excluindo sequer o jornalismo, essa "universal reportagem" de Mallarmé que para o escritor escocês exemplifica o modo como "os deveres da literatura são negligenciados diariamente, a verdade diariamente pervertida e suprimida" - embora não deva nem tenha de ser assim. Nem seria sequer muito ousado ler este ensaio como reflexão sobre a autonomia da literatura na era do jornalismo, dando outra densidade à aproximação com Mallarmé, nada estranha porém, se pensarmos que Stevenson se descrevia a si mesmo como um "perfeito Gaulês". Flaubert, Voltaire (a que não achava graça nenhuma), Balzac, Dumas ou Musset são aliás referências a que recorre mais que uma vez ao longo dos ensaios.

De certa maneira, a Nota sobre o realismo é uma crítica da tradição do romance francês moderno, tomando como alvo contemporâneo o naturalismo de Zola mas entendendo-o restritamente como um tipo de realismo que "diz respeito a meras questões formais", isto é, aos "sucessos técnicos" em que se perderia a "força inquestionável do Sr. Zola". Em todo o caso, é em Walter Scott e no romance histórico que Stevenson vê a origem do realismo enquanto profusão do detalhe. É um problema muito diferente do daquilo a que chama "a verdade fundamental", preocupação que no ensaio sobre a moralidade da profissão era um dos dois deveres que incumbem a quem entra "no negócio da escrita: respeito pela verdade das coisas e um bom espírito no tratamento".

Resumido assim, soa a um manifesto moralista pelo bom senso literário mas o certo é que Stevenson nunca perde o humor com que encara (e desfaz) todas as pretensões ao equilíbrio entre intenções e obras. "Não há nenhum livro perfeito, sequer na intenção" é uma das afirmações menos vulgares que aqui se podem ler. E o respeito pela verdade das coisas é, sobretudo, o respeito pela noção de que na arte o assunto em si mesmo é secundário porque nela "é antes de tudo a atitude do autor que é narrada". O argumento (por exemplo, realista) que suprimisse esta consciência significaria "correr risco muito mais perigoso do que o de ser imoral: é ter a certeza de não ser verdadeiro". E é desta verdade fundamental em que o sujeito de escrita nunca está ausente que decorre o discurso trabalhista (digamos assim) que atravessa toda a "Carta a um jovem", ou seja, o discurso de um escritor para quem, por muito trabalho que a escrita dê e por muito árduo que ele de facto seja, "Na vida do artista não tem de haver hora desprovida de prazer."

Aconselhando devoção ao trabalho e confiança no tempo que acabará por trazer, mais tarde ou mais cedo, o gosto dessa devoção, Stevenson concentra a sua descarada publicidade da literatura como forma de vida no prazer de quem escreve. E a debilidade dos resultados atingidos por milhares de artistas e escritores não é contra-argumento válido para sugerir uma carreira alternativa: "O artista incapaz seria provavelmente um padeiro muito incompetente."

Bastante competente foi, não só Jorge Bastos da Silva, mas ainda o conjunto dos seus dez alunos do seminário de Tradução da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que são co-responsáveis pelo texto deste opúsculo e cujo nome vem individualizado na nota introdutória. Trabalhos destes são a melhor resposta a quem duvida da utilidade social da profissão literária.