sexta-feira, julho 09, 2010

Carta, de Matilde Rosa Araújo




Carta

Porto, cidade sempre tão perto. Um instante mágico na minha memória, instante que se repetiu tantos anos.
Chegar de comboio, atravessando a Ponte Maria Pia, a luz tímida dentro do comboio, aquele cheiro da locomotiva ao qual posso chamar aroma.
Olhar através do vidro da janela, olhar, querer ficar com a imagem, o comboio já a abrandar num cansaço manso. E o apitar da máquina, canto roubado de agonia.
E a cidade naquele instante da janela, a cidade vista, namorada da ponte. Rosto moreno de granitos, lágrimas com risos de chuva a iluminá-la.
Rosto moreno de granito com beijos de sol em doce afago. 
O rio, que se chama Douro com tanta razão.
Para mim, o Porto é chegar. Como um sonho sonhamos, mas como contar o que é, o foi o sonho?
Cidade severa e meiga, granitos que de longe se afagam.
O sonho continuado tantos anos do meu olhar a cidade, da Ponte Dona Maria Pia.

Matilde Rosa Araújo, in Com Quatro Pedras na Mão

Com Quatro Pedras na Mão é livro/ CD em que o Porto  o Bando dos Gambozinos canta o Porto a partir de textos de  de José Mário Branco, Filipa Leal, João Pedro Mésseder, Jorge Sousa Braga, Luís Nogueira, Matilde Rosa Araújo, Luisa Ducla Soares e Joaquim Castro Caldas, entre outros.
A coordenação do projecto  esteve a cargo de Suzana Ralha.