quarta-feira, outubro 19, 2022

«Sobre o Mal», de Terry Eagleton

 
Edições 70.Tradução: Pedro Elói Duarte.2022

Para quem se define marxista é demasiado descritivo, contemplativo. Parece ignorar Marx quando este dizia que aos filósofos não bastava descrever o mundo mas sim transformá-lo. Mas para falar do mal vai buscar muitas e diversificadas referências, citando quando quer exemplificar uma ténue opinião sua. Juntamente com um humor (o Independent chama-lhe «refrescante», o Irish Times de «divertido» e o The Observer agradece-lhe «comos cristãos» o contributo que dá para a compreensão do mal) que resvala por vezes para a stand-up comedy. Chega a exemplificar uma imagem do Éden em que a Kate Winslet era a vizinha dele! Ou esta frase com montes de riso: «Não torna a escravatura, Bob Hope ou a Guerra dos Trinta Anos retrospectivamente toleráveis!», ah, ah, ah... pois não, man, pois não! E aquela de ires buscar o Terramoto de Lisboa como a justificação da teodiceia que castigava os homens (sic), ah, ah, ah... andas a ler Voltaire, camarada!, e não o citas nem nada, que fixe!, expressão que o teu filho usou quando lhe disseste que ias escrever um livro sobre o Mal!

Para quem escreve sobre o mal é fastidioso lê-lo. Lá vem a Bíblia e o Antigo Testamento com o desgraçado Job, marioneta de Deus omni tudo e que nem aceita a pergunta mais que legítima de «porquê eu?» do castigado, porque Este estava para além da sua compreensão. E não porque Job fosse falho de inteligência. A pergunta em si do «quem és?» é uma afronta humana que Deus não está para aturar. Mas quem não sabe esta história e, principalmente, a tão estafada questão do Deus que cria o Bem é o mesmo que criou o Mal e o Diabo? Bocejo longo... Agarrem-se que vêm aí as referências: Milton e o Paraíso Perdido, que afinal não era paraíso celeste nenhum, mas a própria Inglaterra após a sua Revolução do século XVII que se finou num instante em sangue, Santo Agostinho que topou o Mal muito antes de todos os medievalistas, incluindo o aristotélico Tomás de Aquino que depois da tal visão divina achou que tudo o que escreveu antes era «palha seca» mas que não inibe Eagleton de o citar, Shakespeare, Thomas Mann, Hitler, Eichmann, Arendt, Sartre, Shopenhauer (este dizia que a condição humana era uma boa merda), Kiekergaard, Freud, Lacan, Adorno, Marx, Graham Greene, Thomas Hardy, Goethe (não podia deixar de ser, claro!), Baudelaire e Rimbaud (esses bebedolas e dissolutos que fustigavam a carne como salvação, valha-nos Deus!) e ainda mais... ah, Estaline e Mao também lá estão. Dois terços do livro são colagens de citações e algumas «tiradas» e reenvio de humor para os marxistas seus colegas como Perry Anderson e F. Jameson muito mais cientes que ele do que é a teoria de Marx.

Mas o Mal! Nenhuma tese ou antítese de Eagleton, visto que sem tese não pode haver antítese. Agora sou eu a tentar ironizar com algum humor falhado que é o que ele faz no livro. Nenhuma saída ou ideia nova, o que o envia direitinho para as mãos dos conservadores que tal como Hobbes (não o cita e é estranho) só pode haver o Bem e a Liberdade que o protagoniza com fortes estados e instituições porque o mal é intrínseco à Humanidade. Aos que acham que desde que há História, ou seja, domínio, guerra e poder de uns sobre os outros, o Mal de instalou nas sociedades e desejam utopias ele clama contra a ingenuidade esquerdista porque visa a construção de sociedades cheias de tédio e bondade! Portanto, uma pitada de mal até vinha a calhar nesta pasmaceira que seria um socialismo a-histórico como as sociedades primitivas. Ou seja, uma teia de confusões e meias-verdades que nem sequer conflituam com meias-omissões e meias-mentiras. Um livro pela metade, pois.