segunda-feira, fevereiro 21, 2022

«Vulcânico PaLavrador - Uma elegia a António Aragão», de António Barros




Recebi este livro há pouco e tive o enorme prazer de o ler, mas igualmente de o «ver». Em pequenos pormenores perscruta-se a intervenção da imagem no texto tornando-o, segundo António Barros, um livro «obgesto» que inaugura uma invenção em que já não existe arte, mas «artitude», recusando o estafado projecto em «progesto» e negando coerentemente o epíteto de artista, para se ser um «artor». Dos quatro itens aqui expostos, condição essencial para a existência provocante do artor, seguem-se mais três mandamentos, ou seja, a negação do retratar pelo «transfigurar», não querer ser, mas transcender e finalmente (?) transformar o dizer em «di_ser» com toda uma conjugação verbal aleatória, mas onde, parece-me, o indivíduo é a peça central. A partir da vida vulcânica de Aragão que foi acompanhada de (muito) perto por Barros, este amigo apresenta-nos um fio de existência que reputo de comovente e quase impossível de relatar pela escrita, propondo-nos que só o cinema poderia apresentar-nos o depoimento possível. Quem já se atreveu a escrever sobre um íntimo sabe que essa dificuldade é real: «Aragão é, no meu lugar de memória, um cenário de vida que só o cinema conseguirá soletrar de forma capaz.
Em texto, aqui, em mera Nota clandestina, o testemunho é refém da escrita. Por isso, fico-me, na narrativa, por escassas farpas e encantos que convidam a uma tese. Tese tão longa como o desfalecer da ave baleada que não quer morrer na insularidade. Um ápice.» 

Vale a pena voltar às memórias de António Barros e sublinhar fortemente a tinta escura a sua artitude com Aragão: «Um dia recebi um telefonema. Era Aragão a pedir-me autorização para usar (numa entrevista para a TV Globo na Bienal de S.Paulo) o meu objeto-texto ''Ver_dade - IgnOrar''. Um par de óculos, achados no jardim da Quinta, intervencionados (B.7).
Percebi então que Aragão estava cúmplice com a minha escrita (de «situacionistas» palavras agarradas à coisa, como quem manda calhaus sobre a multidão). Eu tinha sido aceite na guerrilha. Tinha bandeira no templo. Poderia contraDizer-me. Restar humano. Como um poeta. E que estava só, portanto. Percebi.»

Sobre a lucidez, o sarcasmo e a provocação de um artor como António Aragão, António Barros retém o seu conselho:
«Não queira ser artista! Em Portugal não! Não queira! Repetiu-me Aragão tantas vezes. Tantas.
Um Amigo. Sabedor.»

Não sei se portugal, a cidade ou território que o valha, merecerá um «livro-obgesto» assim, ou mesmo poetas como Aragão e Barros. Mas a coerência e a provocação moram aqui. É que se a dita arte está doente, parada, bolorenta, especulativa e tudo, no entanto há quem se mova. Noutros caminhos, mas movem-se.

Penso que a aquisição do livro far-se-á com pedidos expressos ao autor. Por aqui.