sexta-feira, abril 23, 2021

«A Bandeira Vermelha - História do Comunismo», de David Priestland

 



Será muito difícil analisar concretamente «uma história» do comunismo. Há «histórias» do comunismo e aqui o plural faz toda a diferença. David Priestland faz um trabalho extraordinário de pesquisa, quer ao nível de documentos pós-89/90 dando-nos novas perspectivas baseadas em factos sustentados, quer na seriedade de análise que imprimiu à obra monumental de quase 800 páginas. Não é sem admiração que, ainda assim, notamos algumas lacunas ou, se quisermos, com alguns incómodos ao nível da apreciação da queda das experiências políticas, económicas e sociais do leste europeu ou das experiências falhadas do chamado Terceiro Mundo. 
Que não afiem já as facas os saudosos do anticomunismo da Guerra Fria. O livro não lhes dá oportunidade de sacarem argumentos primários. A verdade incontornável da análise que faz David Priestland é que o comunismo foi, é e será uma luta contínua pela construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária, ou se quisermos entrar em subjectividades, mais feliz.
É verdade que a utopia comunista levou um rombo com a queda atabalhoada dos países do chamado socialismo real e com a URSS e igualmente com os caminhos, não compreendidos por várias gerações comunistas, que o PCChinês enveredou desde a morte de Mao.
Sejamos claros enquanto analisamos A Bandeira Vermelha: o comunismo continua a ser uma ideia fixa da humanidade, chamem-lhe agora o que quiserem ou entenderem chamar. E mais: é possível ver o nascimento de uma nova emergência comunista livre já das idiossincrasias que levaram à sua queda estrondosa. E ao ler este livro começamos a ter uma perspectiva bem diferente no que toca a 1917, à Guerra Civil de 1918-20 que arrasou a Rússia e o legado da NEP e depois de Estaline. O Terror e o Grande Terror foi o «mata e esfola» retirado, com algumas diferenças, da metodologia utilizada pela burguesia radical e jacobina da Revolução Francesa de 1789 e com o medo de um país cercado pelo imperialismo do ocidente. A escolha, hoje impossível, do prevalecer da indústria pesada e dos kolkhoses para aumento exponencial da produção a qualquer custo, teve causas que se podem explicar sem grande dificuldade, assim como as consequências nem sempre tão desastrosas quanto se diz por aí, em obras que deveriam ter mais cuidado na análise de documentos já disponíveis.
Podemos analisar o comunismo de várias perspectivas e até se devem fazer por uma pluralidade de pontos de vista, mas nunca perdendo o rumo que levou aos seus objectivos primeiros. Podemos analisar o facto de 1/3 da população mundial ter estado sob domínio de comunistas, de frentes populares ou de governos anticolonialistas e anti-imperialistas amigos da URSS e da China, mas não se pode dizer, porque é falso, segundo Priestland, que os povos foram necessariamente obrigados a serem subjugados por ditaduras sanguinárias. Não foram e o livro dá-nos exemplos disso mesmo e que os países europeus do leste socialista tiveram objectivos claros de ascender a uma nova sociedade com o apoio de largas franjas da juventude resistente saída de uma guerra devastadora entre 1939 e 1945. Tal como seria impossível que a URSS que tinha ficado sem 20 milhões de habitantes nessa guerra, saísse incólume económica e socialmente. A tarefa de a pôr de pé é estudada por Priestland apresentando-nos dados novos que nos podem fazer pensar nos enormes erros a que se chama de «estalinismo tardio», isto até 1953. A estagnação que se lhe seguiu foi consequência da quase destruição completa do tecido económico da II Guerra, embora houvesse muitas outras questões que deverão ser abordadas com outra perspectiva, necessariamente mais racional, assertiva e livre de todo o pensamento único com que somos brindados pela historiografia oficial e, já agora, bem alicerçada pela direita internacional.
Em conclusão, embora seja prematuro usar este termo quando se lê «A Bandeira Vermelha» de David Priestland: é possível estudar a história do comunismo estudando-o desde a I Internacional de Marx e Engels, passando pela social-democracia reformista da II Internacional até à III Internacional do Comintern e das Frentes Populares e das diversas dissidências por quem é possível ter alguma simpatia e mesmo compreensão política, mas torna-se impossível o estudo do comunismo, ou dos comunismos, sem as lutas dos Partidos Comunistas e das organizações revolucionárias congéneres cujo objectivo era a conquista de uma sociedade centrada na igualdade e na liberdade. Por muito que custe a alguns, isso foi conseguido em parte por todo o mundo, mas o seu contrário também é verdade: a queda da URSS e do campo socialista, mesmo aceitando a esclerose que o atacava por dentro, deu ao liberalismo e ao capitalismo armas que foram apontadas rápida e eficazmente à classe trabalhadora mundial. Veremos em breve os resultados, quando o tardocapitalismo colocar a sua agenda fascista e imperialista como forma de salvar a estratégia da acumulação de lucros nas mãos de núcleos de oligarcas e de destruição dos recursos do planeta.

António Luís Catarino