sábado, outubro 26, 2013

Sobre Dos Espaços Confinados, de Catarina Costa


«Nessa época fui trabalhar para longe, um sítio urbano, mas agreste. Não respirava nem ar de cidade nem de campo, a atmosfera era em mim um peso abafado, de exalações entorpecidas a corroerem por dentro as divisões da hospedaria, o meu quarto.» É a poética muito própria de Catarina Costa que assim se exprime, sendo criada por estranhas linhas que se interceptam e cruzam em cidades imaginadas, estruturas urbanas constituídas por centros e arrabaldes, campos que sugerem proximidades contraditórias, que se relacionam com vultos que agem e se movem num aparente caos, metáfora da modernidade.
Não deixa de ser notável que a autora consiga de um modo tão eficaz ligar ruas, espaços, escadas, janelas,  soleiras, vultos esquivos que se movem à noite, envoltos em halos de luz, mas com o aviso do tempo sempre presente, fustigado em cada criação poética. Tempo e luz, acção e claridade apresentam-se quase sempre, na poesia de Catarina Costa, como uma dialéctica necessária ao poema. Será por isso que diz: «Os espaços, os objectos, o próprio horizonte estão dentro da nebulosidade própria de uma época e só os reconhecemos pelo hábito de darmos forma ao que nos rodeia.»
É com esse desassombro poético que as palavras de Catarina Costa assumem, no papel, uma identidade tão própria, quase ao ponto da emoção, quando, numa escultura formada de palavras se deixa envolver por possíveis nostalgias: «Escrevia-te para que chegássemos a um acordo sobre o nada. E sem que me respondesses eu continuava a escrever-te cartas e mais cartas porque, tal como tu, também eu queria perceber o porquê de uma tão grande percentagem de matéria negra.»

Cidade, tempo, linhas, palavras, luz, noite, gente, seriam as chaves óbvias para acalmar o caos criado por Catarina Costa, mas que ninguém certamente terá a ousadia de usar, porque esse contraponto seria a ordem, o fim da poesia.
António Luís Catarino
Coimbra, 25 de Outubro de 2013