sexta-feira, novembro 28, 2025

«Umbria: por fim, o Sul.», António Alves Martins

 

Artes Breves Edições, 2025. António Alves Martins

A beleza de «Umbria: por fim, o Sul» leva-nos numa viagem imaginária rumo ao Sul, proposto por António Alves Martins e que acompanhamos com gosto imenso. Sendo o sexto livro das Artes Breves Edições, de uma série cuja presença marcante do autor não deixa ninguém indiferente, quer pela qualidade da sua obra fotográfica, quer pelo seu grafismo, juntamente com outras formas de arte que se interligam e cruzam, como o desenho e a escrita.

Com a sua nota introdutória poderemos já adivinhar o que se seguirá ou o que contamos nesta viagem e, paradoxalmente, a surpresa que nos acompanha em cada página que voltamos. Surpreende-nos o rigor colocado nas suas fotografias e no grafismo que se observa na consistência formal de todo o livro, enquanto que nos deixamos maravilhar pela poética das imagens que nos são oferecidas. O conceito de Sul é aqui muito abrangente. O Sul, em «Umbria», é a Ideia, como nos diz Mallarmé: «A omnipresente Linha espaçada de qualquer ponto a qualquer ponto para instituir a Ideia (1)», mas é também uma viagem pelas formas, pelas texturas, por imagens que se nos apresentam com as suas nuances e sombras, pelos brancos que nos ofuscam, ou por névoas que nos envolvem. Ou, nos antípodas, pelos negros baços em que adivinhamos movimentos escusos. 

As linhas que assomam nestas múltiplas formas constituem essa liberdade que António Alves Martins nos propõe. Os dois espaços em branco que esmagam a linha  constituem, através do traço, uma afirmação  pessoal de um pensamento que aponta para um destino em que a partida se confunde com a meta. Aqui, em «Umbria» não há fixação, existe uma proposta de uma itinerância contínua, um nomadismo desassombrado, criativo.

O surpreendente em «Umbria» é a necessidade de uma comunicação sufocada com o espectador, o que vê as fotografias e as colagens apresentadas. Surgem pictogramas, signos, letras, linhas que se cruzam em redes, nos muros, em janelas e em fechaduras de portas. Na própria paisagem, as árvores que tentam falar através do rendilhado das folhas, nos arbustos e nas planícies que adivinhamos ondulantes do sul. Nestas imagens sentimos a comunicação da ruína, as «espirais de oiro e azul» que Alves Martins cria num sentido heraclitiano em que nada se repete, nada se toca, mas tudo rasa num movimento de uma mola helicoidal, onde os acontecimentos fluem em utopias marcadas pelo tempo já descritas em «Cidades Materiais». 

Há, em «Umbria», uma necessidade de sobreposição, de intersecção de linhas, de justaposição de formas que assume o objectivo de nos envolver em situação de questionamento constante por parte de quem se reconhece nas imagens oferecidas neste livro. Nesse jogo, que aceitamos em cada página que folheamos, transparece a dúvida, a suspeita, o cepticismo perante o que não compreendemos desde logo, mas compensado pelo maravilhoso, pela luz e contraluz que emanam de cada ideia ou metáfora da imagem. Nesse sentido, em «Umbria» há uma subversão clara baseada no traço, na linha, nas formas, como forma de atingir um imaginário plenamente livre.


ps: «Umbria» é um livro conseguido no que esta palavra tem de totalidade, de um todo coerente, consistente. A sua tiragem foi apenas de 47 livros, 5 são extra-série, o que equivale a afirmar que rapidamente será colocado fora da possibilidade de aquisição directa. No entanto, aconselho a quem queira ficar com ele, a contactarem o autor ou a editora Artes Breves.

alc
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(1) «La Musique et les Lettres». apud em Jean-Luc Nancy, «O Prazer no Desenho»