Deriva das Palavras

terça-feira, dezembro 09, 2025

"La Fôret de Flammes et d'Ombres", Akira Mizubayashi

 

Gallimard, 2025
Isto das leituras e dos livros tem o que se lhe diga. Acredito que existe uma rede completamente informal de leitores que interagem movidos pela empatia. Assim foi com este livro de Akira Mizubayashi, autor japonês que não conhecia: mão amiga apresentou-me este «La Fôret de Flammes et d'Ombres» e durante algum tempo vi-me envolvido numa escrita extremamente leve sem que a leveza tenha alguma coisa a ver com a facilidade. Nada disso. A leveza de que falo é uma espécie de levitação durante o processo de leitura devido à toada lírica imprimida pela escrita, pelo extraordinário bom gosto assente nas descrições da vida quotidiana, do amor existente nas personagens e mesmo até na descrição das cenas de guerra em que o Japão se viu envolvido pela obra e graça do imperador Hirohito e dos fascistas que o rodeavam. Aqui, neste extraordinário romance, não há ódio avulso. Há uma recusa silenciosa do totalitarismo em que a arte surge como escape, memória e alavanca para um mundo onde a liberdade tenha sentido. 

O triângulo existente entre as personagens Yuki, Ren e Bin dão à narrativa essa leveza de que falava atrás. São pessoas justas no seu entendimento do outro, compreendem-se totalmente, são imensamente livres porque não se batem em competições inúteis. Cada um tem a sua sensibilidade, a sua mundividência, uma maneira muito própria de ser e de se entreajudarem sem objectivos escondidos, sem que haja uma quebra na forte amizade que os uniu, mesmo nas piores condições de uma guerra terrível onde o Japão conheceu o apocalipse nuclear. O fim da guerra significou igualmente o fim de um regime e o começo de grandes viagens protagonizadas pelas personagens e pelos seus descendentes até aos dias de hoje. Procuram a completude o que acredito que tenham conseguido. A técnica narrativa utilizada por Mizubayashi é fulgurante, de uma síntese que nos espanta a nós leitores.

Não é só a técnica narrativa do autor que admiramos. Quando, no seguimento da leitura de «La Fôret de Flammes et d'Ombres», nos vimos «obrigados» a ouvir a Cavatina, op.130, de Beethoven ou a Nº2, op.13, de Mendelssohn e tentamos visionar as obras pictóricas de Iri e Toshi Maruki é porque o livro e o seu autor cumpriram realmente o seu papel. Perceberão porquê ao ler o livro se assim o entenderem. E mais óbvio ainda é que imaginamos os quadros de Ren tal como nos são descritos enquanto os quartetos de cordas nos dão a conhecer uma música que adivinhamos tão suave, como suaves são os diálogos entre as personagens.

Deixo-vos com um extracto de um diário de uma das personagens, escrita magistralmente por Akira Mizubayashi: «(...) A Arte - tanto a música como a pintura - reúne as almas, abre-as umas a seguir às outras, porque revela e revive nelas este poder de empatia, esta força de identificação singular com o ser sofredor, com o morto, o mais sofredor de todos os sofredores. A Arte exacerba esta faculdade fundamental do homem, empurra-a para o seu paroxismo. É assim, creio, que resiste à morte. (...)» (pág.264)

alc